Prezado professores e alunos,
Paz do Senhor!
“Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem.” (Mt 19.6)
A presente lição trata o divórcio de acordo com o contexto bíblico do Antigo e Novo Testamento. Outro ponto interessante é que a lição aborda dois aspectos a respeito do divórcio: o legal e o moral. E, finalmente, conclui com uma importante reflexão acerca da prática pastoral com pessoas divorciadas ou em processo de divórcio.
INTRODUÇÃO
O divórcio sempre foi visto com reservas no meio evangélico, uma vez que a ideia prevalecente entre os evangélicos é a de que o casamento é indissolúvel. Contudo, nos últimos anos, o número de cristãos divorciados aumentou drasticamente. Assim, as estatísticas mostram que a percentagem de cristãos que se divorciam é praticamente a mesma da sociedade secular.
De acordo com o Instituto Barna, “o percentual de divorciados, 25%, é o mesmo entre evangélicos, católicos e pessoas de outras religiões ou sem afiliação religiosa”. Dessa forma, faz parte dessas estatísticas não apenas leigos, mas também muitos clérigos.
As razões dadas para esse boom, ou seja, aumento, no número de divórcios vão desde as mudanças culturais, que deixaram de ver como estigma a pessoa divorciada, até as recentes mudanças na legislação que facilitaram a prática do divórcio. Assim, o divórcio no contexto da sociedade civil secular deixou de ser visto como uma coisa negativa para se tornar positiva. Não é mais um mal, mas um bem. Nesse contexto, as estatísticas demonstram que a igreja evangélica também passou a refletir essa visão do divórcio e confirmar essa tendência.
Os tempos mudaram. Nesta licao, procuraremos conhecer o contexto nos quais o divórcio aparece na história e principalmente na Bíblia, já que ela é o nosso manual de fé e conduta. Contudo, deve ser dito aqui que a questão é muito complexa, principalmente na esfera cristã, visto que o número de divorciados entre os evangélicos, incluindo pastores, cresceu bastante. O que vamos buscar são princípios que possam nos ajudar a entender essa esfera do comportamento humano e entendermos como a igreja deve se posicionar diante dele. (Gonçalves. José, Os Ataques Contra a Igreja de Cristo. As Sutilezas de Satanás neste Dias que Antecedem a Volta de Jesus Cristo. Editora CPAD. 1ª edição: 2022).
I – O DIVORCIO NO CONTEXTO BÍBLICO
1- O divórcio no contexto do Antigo Testamento.
Nas culturas do antigo Oriente, o casamento era planejado pelos pais e era considerado vitalício. Nesse contexto, a esposa era considerada propriedade do marido e vista, portanto, na condição de um objeto. O código de Hamurabi (1810-1750 a.C), por exemplo, diz que se um homem tomasse uma esposa e não redigisse o seu contrato, então essa mulher não era dele.
Era também exigido nesse antigo documento que a esposa fosse fiel, sendo que em caso de infidelidade conjugal a pena de morte poderia ser adotada.
Assim, era esperado que os casamentos não terminassem, mas as exceções existiam. No caso de esterilidade feminina, por exemplo, o divórcio era previsto. O código de Hamurabi destaca que nesse caso o marido poderia mandar a esposa embora, contudo, deveria restituir o dote nupcial e devolver os donativos que ela trouxe da casa dos pais.
Casamento e Divórcio no Mundo Greco-Romano
No Império Romano do primeiro século, o casamento era monogâmico e um ideal para a vida toda. Contudo, as leis romanas reconheciam que o casamento poderia acabar quando qualquer uma das partes não demonstrasse mais afeto pela outra. Nesse caso, o divórcio poderia ser requerido tanto pelo marido quanto pela esposa. Tendo se efetivado o divórcio, o direito de se casar novamente estava garantido. O adultério era visto como fim do casamento e era punido com duras penas. Às vezes, com a expulsão do casal da comunidade e em outros até mesmo com a pena de morte.
Divórcio no Contexto do Antigo Testamento
Precisamos sublinhar que à luz do Antigo Testamento o projeto original de Deus para o casamento é que ele fosse vitalício. Além disso, o casamento deveria ser monogâmico e heterossexual. O divórcio, portanto, não estava no plano original de Deus para a família. Contudo, sabendo da dureza do coração humano, Deus permitiu a validação do divórcio sob determinadas circunstâncias.
Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado coisa indecente nela, e se ele escrever uma carta de divórcio e a entregar à mulher, e a mandar embora; e se ela, saindo da casa dele, for e se casar com outro homem; e se este passar a odiá-la, e escrever uma carta de divórcio e a entregar à mulher, e a mandar embora de sua casa ou se este último homem, que a tomou para si por mulher, vier a morrer, então o primeiro marido dessa mulher, que a mandou embora, não poderá casar-se de novo com ela, depois que foi contaminada, pois é abominação diante do Senhor. Assim, vocês não farão pecar a terra que o Senhor, seu Deus, lhes dá por herança. (Dt 24.1-4, NAA)
Outros textos no Antigo Testamento tratam do divórcio, contudo, esse é o mais específico. Fica bastante claro que esse texto não ordena a prática do divórcio nem tampouco a estimula. A lei reconhecia que o divórcio era permitido quando alguma “coisa indecente” fosse encontrada na mulher, mas não especifica o que seria isso. Wayne Grudem destaca que:
Este texto especifica apenas que uma mulher não pode voltar para seu primeiro marido nas seguintes circunstâncias:
1. Se ele se divorciar dela porque encontra “alguma indecência” nela, e
2. Se ela se casar com outro homem, e
3. Se esse segundo marido morre ou divorcia-se dela;
4. Então seu primeiro marido não pode se casar novamente. Podemos notar, no entanto, que a passagem pressupõe que, após o divórcio, a mulher tinha o direito de se casar com outra pessoa, e que o segundo casamento não era considerado adultério, mas, sim, um casamento legítimo: Ela “torna-se esposa de outro homem” (Dt. 24.2).
São essas regras sobre o divórcio que orientavam as principais escolas rabínicas nos dias de Jesus Cristo. As principais passagens do Novo Testamento nas quais Cristo discorre sobe a prática do divórcio têm como ponto de partida essa lei deuteronômica. A compreensão rabínica sobre o divórcio eram adaptações ou interpretações dessa Lei mosaica. A Mishná, por exemplo, destaca que:
A escola de Shammai diz: Um homem não pode se divorciar de sua esposa a menos que tenha encontrado falta de castidade nela. […] E a escola de Hillel diz […] [ele pode se divorciar dela] mesmo que ela estrague um prato para ele. […] Rabi Akiba diz, [ele pode se divorciar dela] mesmo se ele encontrar outra mais bela do que ela.
Observamos, portanto, nessa passagem bíblica que Jesus se opõe à concepção rabínica que permitia o divórcio por qualquer motivo. Como ficou demonstrado, a escola de Hillel via razão para o divórcio no caso de a esposa deixar a comida estragar; e em outros casos, como especifica a Mishná, o divórcio era justificado no caso de o homem encontrar outra mulher mais bonita do que a sua.
Diante desse conflito de interpretações, em que a prática do divórcio havia se tornado banalizada, foi que Jesus destacou o que, de fato, é o plano de Deus para o casamento. O seu entendimento sobre a indissolubilidade do casamento verbera o que os antigos profetas já haviam dito sobre o relacionamento entre um homem e uma mulher:
“Porque o Senhor Deus de Israel diz que aborrece o repúdio, e aquele que encobre a violência com o seu vestido, diz o Senhor dos Exércitos: portanto, guardai-vos em vosso espírito, e não sejais desleais.” (Ml 2.16).
Deus via o casamento como uma aliança feita entre um homem e uma mulher e como tal deveria ser levado a sério. (Gonçalves. José, Os Ataques Contra a Igreja de Cristo. As Sutilezas de Satanás neste Dias que Antecedem a Volta de Jesus Cristo. Editora CPAD. 1ª edição: 2022).
2- O divórcio no contexto do Novo Testamento.
A compreensão dessa passagem sobre o divórcio é complementada por outras Escrituras neotestamentárias, que também se relacionam com o assunto (Mt 5.32; Mc 10.2-12; e Lc 16.18). Jesus esclarece que o divórcio foi uma concessão feita por Moisés por causa da dureza dos corações, e não que tenha sido esse o propósito original de Deus para o casamento.
Jesus afirmou que quem terminasse o casamento e se casasse com outra, exceto em caso de imoralidade sexual, cometeria adultério. Com isso Jesus desfez todas as interpretações liberais sobre o divórcio criadas pelas escolas rabínicas que viam qualquer motivação como justificativa para a prática do divórcio. O texto deixa claro que a imoralidade sexual, tradução do termo grego “porneia”, é a única exceção permitida por Jesus para o divórcio.
Assim, de acordo com Cristo, quem se divorciasse por outras razões e cassasse novamente estaria cometendo adultério. Grudem destaca que nesse caso “Jesus está dizendo que um homem que se divorcia indevidamente de sua esposa não recebeu um divórcio legítimo e, na verdade, ainda está casado com sua esposa original no momento em que inicia o segundo casamento”. Dessa forma, Jesus elevou o conceito de casamento muito além daquele defendido pelas escolas rabínicas.
Outra questão bastante pertinente a partir da análise desse texto é a permissão dada por Jesus para um segundo casamento para a parte inocente. Alguns intérpretes objetam que Jesus não teria permitido no texto de Mateus 19 tal permissão. Argumentam que as passagens paralelas de Marcos 10.2-12 e Lucas 16.18 não contêm essa cláusula de exceção.
Contudo, não é uma boa forma de fazer exegese partindo do silêncio de um texto. O silêncio de um texto não pode calar outro que é específico. Dessa forma, se essa cláusula de exceção permitida por Jesus em Mateus não está presente em Marcos e Lucas, as razões devem ser buscadas nos seus respectivos contextos. O mais provável é que o Espírito Santo que inspirou Mateus a redigir o seu texto para judeus viu a necessidade de expor essa regra dada pelo Salvador. Por outro lado, o mesmo Espírito que inspirou Marcos e Lucas a escreverem para gentios não viu a necessidade de expor essa cláusula de exceção, pois, como já foi demonstrado, esse tipo de entendimento já era tido no mundo greco-romano. No texto de Mateus 19, Jesus deixou especificamente implícito que uma pessoa que se divorcia de outra em razão de imoralidade sexual não comete adultério se casar com outra. Assim, A. T. Robertson entende que “por implicação, Jesus, como em Mt 5.31, permite o matrimônio da parte inocente, mas não da culpada”. Da mesma forma, Grudem observa que as palavras de Jesus “e se casar com outra”, sugere que tanto o divórcio quanto o novo casamento são permitidos no caso de imoralidade sexual, e que alguém que se divorcia porque seu cônjuge cometeu adultério pode se casar com outra pessoa sem cometer pecado.
Evidente porque se retirarmos “e se casar com outra”, o ditado não faz sentido: E eu te digo: quem se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, […] comete adultério. Mas isso não seria verdade, porque alguns casos há maridos que vão se divorciar de suas esposas e não vão se casar novamente ou viver com nenhuma outra mulher. Eles permanecerão solteiros e castos. Nesse caso, eles não estariam cometendo adultério com ninguém, e as palavras de Jesus não fariam sentido.
Portanto, a frase “e se casar com outra” deve estar presente para que o versículo faça sentido. E isso significa que “todo aquele que se divorciar de sua esposa […] e se casar com outra” por causa da imoralidade sexual, não está cometendo adultério nesse segundo casamento.
Essa, sem dúvida, é a exegese mais precisa dessa passagem e o entendimento mais natural das palavras de Jesus. Entretanto, deve ser enfatizado que mesmo Jesus reconhecendo a validade de um novo casamento em razão de traição, Ele não estimulou a prática do divórcio nem tampouco a ordenou. Há sempre a possibilidade para o perdão e a reconstrução de uma relação que foi quebrada por uma das partes.
A posição paulina sobre o casamento de cristãos é bem conhecida, contudo, é também a que mais controvérsias tem gerado. Isso em razão daquilo que os teólogos denominam de “privilégio paulino”. Em outras palavras, Paulo estaria dizendo nessa passagem, em casos de casamentos mistos, que um irmão ou irmã que foram abandonados por um cônjuge descrente estaria livre para se casar novamente. Esse entendimento surge a partir das palavras de Paulo: “não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã” (v.15).
Assim, Grudem argumenta:
Quando combinamos o ensino de Jesus com o ensino de Paulo sobre este assunto, parece que há pelo menos dois motivos legítimos para o divórcio:
(1) adultério e
(2) deserção por um descrente quando todas as tentativas razoáveis de reconciliação falharam […] posição que resumi brevemente aqui — que tanto o divórcio quanto o novo casamento são permitidos quando o cônjuge de uma pessoa cometeu adultério ou abandonou irreparavelmente o casamento — é a posição mais comum mantida entre os protestantes desde a Reforma. (Gonçalves. José, Os Ataques Contra a Igreja de Cristo. As Sutilezas de Satanás neste Dias que Antecedem a Volta de Jesus Cristo. Editora CPAD. 1ª edição: 2022).
II – A SUTILEZA DA NORMALIZAÇÃO DO DIVÓRCIO
1- O divórcio no seu aspecto legal.
A Trajetória Do Divórcio No Brasil: A Consolidação Do Estado Democrático De Direito
Foram quase dois séculos de luta pela emancipação do Brasil como Estado Democrático de Direito e pelas garantias dos direitos individuais. No Brasil Império, inúmeras foram as tentativas de redução do poder da Igreja em matérias do Estado e, no Brasil República, de diminuição da interferência do Estado na vida privada. O divórcio direto no Brasil é uma conquista política e social da sociedade brasileira, como se verá, a seguir.
1827 – Com a proclamação da independência e a instauração da monarquia (1822-1899), o Brasil permaneceu sob influência direta e incisiva da Igreja, em matéria de casamento. O Decreto de 03.11.1827 firmava a obrigatoriedade das disposições do Concílio de Trento e da Constituição do Arcebispado da Bahia, consolidando a jurisdição eclesiástica nas questões matrimoniais.
1861 – No Brasil Império, houve a primeira flexibilização da Igreja Católica. Decreto 1.144, de 11.09.1861 regulou o casamento entre pessoas de seitas dissidentes, de acordo com as prescrições da respectiva religião. A inovação foi passar para a autoridade civil a faculdade de dispensar os impedimentos e a de julgar a nulidade do casamento. No entanto , admitia-se apenas a separação pessoal.
1889 – Proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, houve a separação entre a Igreja e o Estado e a necessidade de regular os casamentos.
1891 – Ante a persistência da realização exclusiva do casamento católico, foi expedido novo Decreto, no 521, em 26 de junho de 1890, dispondo que o casamento civil, deveria preceder as cerimônias religiosas de qualquer culto. Foi disciplinada a separação de corpos, sendo indicadas as causas aceitáveis: adultério; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do domicílio conjugal por dois anos contínuos; e mútuo consentimento dos cônjuges, se fossem casados há mais de dois anos.
1893 – o Deputado Érico Marinho apresentava no Parlamento a primeira proposição divorcista. Em 1896 e 1899, renovava-se a tentativa na Câmara e no Senado.
1900 – O deputado provincial Martinho Garcez ofereceu, no Senado, projeto de divórcio vincular. A proposição foi repelida.
1901 – O jurista Clóvis Beviláqua apresenta, após seis meses de trabalho, seu projeto de Código Civil. Duramente criticado pelo então senador Rui Barbosa e por vários juristas, seu projeto sofreu várias alterações até sua aprovação, em 1916. Tal como no direito anterior, permitia-se o término da sociedade conjugal por somente por via do desquite, amigável ou judicial. A sentença do desquite apenas autorizava a separação dos cônjuges, pondo termo ao regime de bens. No entanto, permanecia o vínculo matrimonial. A enumeração taxativa das causas de desquite foi repetida: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e abandono voluntário do lar conjugal (art. 317). Foi mantido o desquite por mútuo consentimento (art. 318). A legislação civil inseriu a palavra desquite para identificar aquela simples separação de corpos.
1934 -A indissolubilidade do casamento torna-se preceito constitucional na Constituição do Brasil, de 1934.
1937 – A Constituição de 10 de novembro de 1937 reiterou que a família é constituída pelo casamento indissolúvel, sem se referir à sua forma (art. 124). O mesmo preceito foi repetido nas constituições de 1946 e de 1967.
1946 – Ainda na vigência da Constituição de 1946, várias tentativas foram feitas no sentido da introdução do divórcio no Brasil, ainda que de modo indireto. Seria acrescentada uma quinta causa de anulação do casamento por erro essencial, consistente na incompatibilidade entre os cônjuges, com prova de que, após decorridos cinco anos da decretação ou homologação do desquite, o casal não restabelecera a vida conjugal. Proposta também emenda constitucional visando a suprimir da Constituição a expressão “de vínculo indissolúvel”, do casamento civil.
1969 – De acordo com a Carta outorgada pelos chefes militares (Emenda Constitucional n. 1/69), qualquer projeto de divórcio somente seria possível com a aprovação de emenda constitucional por dois terços de senadores (44) e de deputados (207).
1975 – Apresentada emenda a Constituição de 1969 (EC n. 5, de 12.03.1975), permitindo a dissolução do vínculo matrimonial após cinco anos de desquite ou sete de separação de fato. Em sessão de 8 de maio de 1975, a emenda obteria maioria de votos (222 contra 149), porém insuficientes para atingir o quorum exigido de dois terços.
1977 – O divórcio foi instituído oficialmente com a emenda constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela lei 6515 de 26 de dezembro do mesmo ano. De autoria do senador Nelson Carneiro, a nova norma foi objeto de grande polêmica na época, principalmente pela influência religiosa que ainda pairava sobre o Estado. A inovação permitia extinguir por inteiro os vínculos de um casamento e autorizava que a pessoa casasse novamente com outra pessoa.
Até o ano de 1977, quem casava, permanecia com um vínculo jurídico para o resto da vida. Caso a convivência fosse insuportável, poderia ser pedido o ‘desquite’, que interrompia com os deveres conjugais e terminava com a sociedade conjugal. Significa que os bens eram partilhados, acabava a convivência sob mesmo teto, mas nenhum dos dois poderia recomeçar sua vida ao lado de outra pessoa cercado da proteção jurídica do casamento. Naquela época, também não existiam leis que protegiam a União Estável e resguardavam os direitos daqueles que viviam juntos informalmente.
A Lei do Divórcio, aprovada em 1977, concedeu a possibilidade de um novo casamento, mas somente por uma vez. O ‘desquite’ passou a ser chamado de ‘separação’ e permanecia, até hoje, como um estágio intermediário até a obtenção do divórcio. Foi com a Constituição de 1988 que passou a ser permitido divorciar e recasar quantas vezes fosse preciso.
1988 – A Constituição de 1988, em seu artigo 226, estabelece que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, mas desde que cumprida a separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. Merece destaque especial, no texto da Constituição e seu regulamento no Código Civil (2002), o reconhecimento de outras formas de constituição familiar, além da via do casamento, incluindo o reconhecimento de uniões estáveis.
1989 – A Lei 7.841, de 17.10.1989, revogou o art. 38 da Lei do Divórcio (1977), eliminando a restrição à possibilidade de divórcios sucessivos.
2007 – Promulgada a lei 11441 de 4 de janeiro de 2007 – O divórcio e a separação consensuais podem ser requeridos por via administrativa. Dispensa a necessidade de ação judicial, bastando que as partes compareçam assistidas por um advogado, a um cartório de notas e apresentar o pedido. Tal facilidade só é possível quando o casal não possui filhos menores de idade ou incapazes e desde que não haja litígio.
2009 – A Lei 12.036 de 1º.10.2009 modificou a Lei de introdução ao Código Civil (Art. 7º§ 6º), compatibilizando o lapso temporal do divórcio realizado no estrangeiro com a sistemática constitucional.
2010 – Aprovada em segundo turno a PEC do Divórcio, restando sua promulgação pelas respectivas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal. A pretensão normativa foi sugerida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), pretendendo modificar o § 6º do art. 226 da Constituição Federal. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, sendo suprimido o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Aprovado, finalmente, o divórcio direto no Brasil.
* Estado democrático de direito: é um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Em um Estado de Direito, as próprias autoridades políticas estão sujeitas ao respeito da regra de direito. (https://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/2273698/a-trajetoria-do-divorcio-no-brasil-a-consolidacao-do-estado-democratico-de-direito)
2- O divórcio no seu aspecto moral.
Outra questão relacionada ao divórcio e o direito a um novo casamento diz respeito a pastores. Poderia um pastor que sofreu um processo de divórcio continuar exercendo o seu ministério pastoral? A pergunta não é tão fácil de responder quanto parece. Há o aspecto legal e moral que devem ser levados em conta. Assim, há aqueles que reconhecem a legalidade de um novo casamento para ministros que se divorciaram quando eles foram vítimas de infidelidade conjugal. Nesse caso, argumentam que o adultério dissolveu a aliança conjugal e o ministro estaria legalmente livre para se casar novamente. Por outro lado, há aqueles que reconhecem a questão legal envolvida nessa situação, contudo, acreditam que não é moral um pastor divorciado continuar exercendo o seu ministério. Nesse caso, o ministro poderia, sim, contrair novas núpcias, se assim desejasse, contudo, jamais poderia continuar como ministro do evangelho. Em outras palavras, aqueles que argumentam nesse sentido acreditam que nem tudo o que é legal é moral.
Sabendo da polarização em torno desse assunto, a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) aprovou uma resolução que trata da questão do divórcio entre pastores:
A CGADB só reconhece o Divórcio no âmbito ministerial de seus membros nos casos de infidelidade conjugal, previstos na Bíblia sagrada e expressos em Mt. 5:31-32; 19:9, devidamente comprovados. As Convenções Estaduais deverão esgotar todos os esforços possíveis no sentido de promover a reconciliação do Ministro e sua esposa, antes de serem ajuizadas Ações de Divórcio. Esta CGADB não reconhece, no âmbito da vida ministerial de seus membros, a situação de União Estável. O Ministro, membro desta CGADB, divorciado nos termos do disposto no art. 1º. desta Resolução ou no caso onde a iniciativa do divórcio partir da sua esposa (1Co 7.15), poderá permanecer ou não, na função ministerial, decisão essa que ficará a cargo da Convenção Estadual da qual é filiado, facultando-se lhe o direito de recurso para Mesa Diretora e para o para o Plenário desta Convenção Geral. O Ministro, vítima de infidelidade conjugal por parte de sua esposa, poderá contrair novas núpcias, respeitados os princípios bíblicos que norteiam a união conjugal, nos termos da permissibilidade concedida por Cristo, em Mateus 5.31 e 32; 19.9, ficando cada caso a ser examinado e decidido pelas Convenções Estaduais. Quando o Ministro der causa ao divórcio, a sua permanência ou retorno ao ministério dependerá de exame e decisão da Convenção Estadual, facultando-se lhe ampla defesa, sendo-lhe também assegurado recurso para a Mesa Diretora e para o plenário da Convenção Geral. O Ministro, membro desta CGADB que acolher Ministro divorciado sem a observância do disposto na presente Resolução, será responsabilizado disciplinarmente, no âmbito desta Convenção Geral. Ficam os Presidentes de Convenções e demais membros desta CGADB autorizados a divulgar entre a membresia das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus em todo o território nacional, o inteiro teor desta Resolução.
Uma análise dessa resolução da CGADB demonstra pelo menos três coisas:
- O divórcio é permitido entre pastores no caso de infidelidade conjugal por parte da esposa;
- A decisão de o ministro continuar ou não no exercício da prática pastoral ficará a cargo de cada convenção regional/estadual da qual o ministro é membro;
- O reconhecimento ou não do direito a um novo casamento dependerá de aprovação da convenção regional da qual o ministro faz parte.
Esse documento mostra que, por não haver unanimidade em torno desse assunto na esfera convencional, a CGADB admitiu a possibilidade do divórcio entre pastores nos casos especificados, mas deixou a cargo das convenções regionais decidirem sobre o assunto. Isso porque enquanto algumas convenções são mais liberais em torno do divórcio, admitindo-o entre seus ministros, outras são bem mais conservadoras, não aceitando em seus quadros ministros divorciados. Um exemplo claro dessa última posição pode ser vista na resolução que a CEADEP, Convenção Estadual das Assembleias de Deus no Piauí, que em 2019 publicou uma resolução sobre o assunto:
Esta Convenção não aceita o divórcio entre seus ministros em qualquer hipótese, e o que vier a se divorciar por qualquer motivo, será imediatamente suspenso de suas atividades e desligado da CEADEP.
Fica claro que essa resolução da CEADEP parte do princípio de que, mesmo sendo legal um ministro do evangelho se divorciar, contudo, não é moral a sua permanência à frente de uma igreja. Esse entendimento, entretanto, como já foi mostrado, não é unanimidade no Brasil assembleiano. Há convenções que acreditam que a resolução da CGADB concernente ao divórcio é inteiramente legal e mais justa e por isso a seguem. No que tange ao divórcio de pastores, a recomendação dada pela CGADB na sua resolução parece ser o melhor caminho a trilhar: “As Convenções Estaduais deverão esgotar todos os esforços possíveis no sentido de promover a reconciliação do ministro e sua esposa, antes de serem ajuizadas Ações de Divórcio”. (Gonçalves. José, Os Ataques Contra a Igreja de Cristo. As Sutilezas de Satanás neste Dias que Antecedem a Volta de Jesus Cristo. Editora CPAD. 1ª edição: 2022).
III – O DIVÓRCIO E A PRÁTICA PASTORAL
1- A pessoa do divorciado.
O divórcio é uma coisa horrenda aos olhos de Deus. Não há divórcio sem dor, sem trauma, sem feridas, sem vítimas. É impossível rasgar o que marido e mulher se tornaram (uma só carne), sem muito sofrimento. Embora a sociedade pós-moderna esteja fazendo apologia do divórcio, os princípios de Deus não mudaram, não mudam e jamais mudarão. Somente a morte (1Co 7.2), a infidelidade conjugal (19.9) e o completo abandono (1C o 7.15) podem legitimar o divórcio e cancelar o pacto conjugal. O divórcio, portanto, não é apenas antinatural, mas, também, uma rebelião contra Deus e uma conspiração contra a sua lei.
2- O divorciado como cristão.
O número de divórcios entre cristãos se igualou ao número de divórcios entre não cristãos, segundo o Barna Group, instituto de pesquisa que se dedica a estudar o ambiente cristão. (dados de 2017)
O divórcio nunca foi ordem nem plano de Deus para o homem, mas consequência da dureza dos corações, segundo Jesus esclarece em Marcos 10.5
Há ainda muitos divórcios não contabilizados, são casamentos cristãos que mantém as aparências e não aceitam formalizar um divórcio assinando papéis, mas de fato já não há intimidade, cumplicidade e desejo de estar junto.
Dividem o mesmo teto, as contas, responsabilidades, recursos e patrimônio, mas não dividem a mesma cama, os mesmos sonhos e objetivos.
Era para serem dois corações em um! Era para ser um objetivo, um alicerce, um cabeça: Cristo! Mas o divórcio foi se instalando paulatinamente quando de tão endurecidos, quebram a comunhão e voltam a ser dois corações independentes buscando cada qual sua satisfação.
Exatamente o contrário do plano de Deus: “Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém separe” Mateus 19.6.
São dois corações que não se entendem, que não perdoam, que não batem no mesmo ritmo, que buscam coisas distintas, que guardam rancores, mágoas, iras, acusações. Corações obstinados em estarem com a razão.
Corações que conhecem a vontade de Deus mas não se submetem por orgulho.
Deixam o sol se pôr sobre a ira, cultivam feridas, criam raízes de amargura e vivem impedidos de viver a santidade e sanidade que Deus reque num casamento cristão.
São maridos ou esposas que se lembram dos aniversariantes da igreja, tiram um tempo para parabenizá-los, mas em casa não valorizam as datas especiais.
São maridos ou esposas que oram pelo outros, aconselham, se envolvem nas lutas alheias, mas no lar não conhecem as dores do cônjuge.
São maridos ou esposas que não faltam ás atividades religiosas, mas se fazem ausentes nos papéis designados por Deus ao homem e à mulher.
São maridos ou esposas que sorriem, emprestam os ouvidos, são gentis com o próximo, mas se calam, silenciam e tratam com total indiferença aquele que é sua carne.
São maridos ou esposas que cobram todos os benefícios feitos ao outro durante a caminhada conjugal, diminuindo o parceiro.
São maridos ou esposas que repetem os vícios dos antepassados, que não se moldam pelo padrão de Deus.
São maridos e esposas decepcionados e frustrados por investir uma vida na construção de um casamento que deixa de ser aliança de amor e compromisso para ser pró forma.
São maridos e esposas que se perderam na caminhada.
Assim como Jesus trouxe vinho novo às Bodas de Caná, um lar onde tem a presença de Cristo pode voltar a ter alegria e saciedade, quando marido e mulher se dispõem a serem transformados de água em vinho pelo poder do Senhor que em todos opera! (Fonte: https://jacpapa.com.br/2021/09/14/divorcios-dentro-do-lar-cristao/)
Conclusão
Aprendemos com esta lição que o projeto original de Deus sempre será a indissolubilidade do casamento. Entretanto, por conta da natureza humana degenerada pelo pecado, Moisés permitiu, não ordenou, a carta de divórcio. Na época do NT por coisas banais o indivíduo se divorciava; é por isso que o Senhor Jesus o restringe completamente a relações sexuais ilícitas, não estimulando ou ordenando, mas reconhecendo que na condição de degradação humana, essa possibilidade deveria existir como solução paliativa para uma humanidade mergulhada no pecado.