A proposta pedagógica de provérbios 22.6

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INTRODUÇÃO

A tarefa de instruir a próxima geração nos caminhos da sabedoria enfrenta seus percalços desde os primórdios da civilização. A sabedoria proposta em Provérbios 22.6 aborda diretamente este dilema milenar de repassar o legado de uma geração àquela que se segue. Talvez um bom exemplo deste dilema seja o diálogo abaixo, o qual aparece no final da obra egípcia As Instruções de Any, datada do período da 18ª dinastia do Egito. No diálogo, o escriba Any lida com a contestação de seu filho Khonshotep, também um escriba, resistindo à idéia de abraçar de todo coração o legado cultural da geração de seu pai. Khonshotep argumenta que o legado que seu pai deseja lhe passar está comprometido por duas razões:

a) cada homem é guiado por sua própria natureza, e

b) um jovem não segue instruções morais, mesmo que tais instruções estejam na ponta de sua língua.

Respondeu Khonshotep ao seu pai, o escriba Any: Eu gostaria de ser como tu és, tão versado como tu és! Então eu seria capaz de perpetuar teus ensinamentos, e, assim, o filho seria trazido ao lugar de seu pai. Contudo, cada homem é conduzido por sua natureza, tu és um homem que é um mestre, cujo labor é exaltado, cujas palavras são individualmente escolhidas. Teu filho, ele entende muito pouco, quando ele recita as palavras que estão nos livros. Mas quando tuas palavras agradam o coração, o coração tende a aceitá-las com alegria. Portanto, não se multipliquem demais as tuas virtudes, ao ponto de termos que elevar nossos pensamentos a ti; um jovem não segue as instruções morais, nem que os escritos estejam na sua língua!

 Todavia, segundo a proposta pedagógica de Any, se um boi, um cavalo ou um leão consegue obedecer à palavra de seu adestrador, por que seu filho não conseguiria?

Respondeu Any ao seu filho Khonshotep: Não te estribes nestas palavras indignas, cuidado com o que estás fazendo a ti mesmo! Eu julgo tuas reclamações equivocadas, e eu vou esclarecer cada uma delas. Não há nada de supérfluo em nossas palavras, as quais tu gostarias fossem reduzidas. O touro de briga que é capaz de matar, ele se esquece e abandona a arena; ele domina sua natureza, ele se lembra do que aprendeu e se torna à semelhança de um boi cevado. O leão selvagem abandona sua ira, E se torna à semelhança de um tímido jumento. O cavalo entra debaixo de sua sela e sai obediente pela rua. O cachorro obedece à palavra e anda após o seu mestre. […]

Para Khonshotep, essa transferência de sabedoria de uma geração para outra não é tão simples assim. Ele confessa não ser “versado” como seu pai, o que compromete a sua capacidade de memorizar, entender e aplicar todo este material com a mesma propriedade com que seu pai o faz: “Tu és um homem que és mestre… teu filho entende muito pouco”. Diante do impasse, a solução proposta pelo filho é o ponto mais importante nesta citação – suplicar ao deus do pai (Any) que coloque o filho nos mesmos caminhos.

Respondeu Khonshotep ao seu pai, o escriba Any: Não proclame teus poderes, Tentando forçar-me em teus caminhos; […] Todos os teus dizeres são excelentes, mas para cumpri-los é necessário virtude, portanto, pede ao deus que te deu sabedoria: que estabeleça-os em teu caminho!

Como as Escrituras responderiam ao dilema de Any? Qual seria a proposta do autor de Provérbios para o desafio enfrentado por Khonshotep em dar continuidade ao legado de seu pai? A tese defendida neste artigo é que o autor de Provérbios, especificamente em Pv 22.6, enfrenta e propõe uma solução para este dilema enfrentado por Any e seu filho. Isto pode ser observado especialmente pelo uso freqüente da abordagem “filho meu, ouve…” que costura o discurso no livro. Contudo, para entendermos com nitidez a solução proposta pelo livro, precisa ser estabelecido um perfil literário-cultural-religioso. O “uso” bem como o “abuso” praticado contra a tradição sapiencial de Provérbios só podem ser devidamente apreciados quando somos lembrados de suas peculiaridades originais.

1. QUEM ESCREVEU PROVÉRBIOS?

A pesquisa acadêmica do século passado rejeitou em grande parte a reivindicação bíblica da autoria salomônica e considerou Salomão mais como “uma figura com a qual se pudesse associar a literatura sapiencial”. Crenshaw comenta que, “como o rei mais rico na memória de Israel, Salomão naturalmente deve ter atraído idéias que o associassem com uma sabedoria extraordinária,” e Clements acredita que o deuteronomista inventou esta história para melhorar o máximo possível a imagem questionável de Salomão. Mas mesmo Crenshaw admite que uma explicação satisfatória para a proeminência do nome de Salomão ainda não apareceu. André Lamaire argumenta que “o retrato do reino de Salomão e de sua sabedoria, conforme descritos em 1Rs 3-9, parece se conformar de maneira geral com a ideologia real do primeiro milênio a.C.”

Os estudiosos do Antigo Testamento que estão dispostos a aceitar a autoria salomônica situam a época e o contexto social de Provérbios utilizando apenas a crítica da forma, o que implica na utilização de literatura do AOP. Contudo, em duas seções específicas no livro de Provérbios a autoria da obra é atribuída a Salomão (1.1; 10.1), enquanto que em outros trechos a responsabilidade autoral e/ou redatorial recai sobre Agur (30.1), o rei Lemuel (31.1) e uma equipe redatorial da época de Ezequias (25.1). Esta situação cria imediatamente o cenário de uma obra editada, contendo uma participação predominante de Salomão (capítulos 1-29), o que não parece destoar da reivindicação do autor do 1º Livro dos Reis de que ele tenha composto 3 mil provérbios (1Rs 4.32 [5.12 TM]).

2. O MUNDO CULTURAL DE PROVÉRBIOS

 Embora sejamos inconscientemente tentados a uma aplicação direta de Provérbios para o contexto hodierno, como se o autor tivesse escrito o livro para a sociedade brasileira dos últimos cinqüenta anos, tal prática pode revelar-se temerária, exegeticamente falando. O fato é que não se pode negar nem esconder o grande abismo cultural entre o mundo de Provérbios e a sociedade brasileira sem que, com isso, comprometamos nosso próprio entendimento do texto.

Este abismo cultural, por sua vez, se deve ao fato de não sermos uma sociedade que pratica o modo de manutenção da cultura por meio de formulações proverbiais do tipo encontrado na literatura sapiencial. Diante disto, a pergunta que se impõe é a seguinte: Como nós, no século 21, podemos ler, entender e interpretar a literatura sapiencial contida em Provérbios? Como repassar este conhecimento de geração a geração? Considerando que não conseguimos memorizar os provérbios a fim de termos sempre a “resposta certa”; considerando que não conseguimos dar-lhes o glamoroso viés doutrinário que possibilitaria sincronizá-los com nossa tradição teológica; considerando que não conseguimos sistematizá-los teologicamente com o restante das Escrituras, com facilidade; e considerando que não conseguimos “exegetizá-los” com o método histórico-gramatical, a pergunta inicial se impõe – Como adquirir o arcabouço cultural para ler Provérbios? A tarefa de desbravar o mundo cultural de Provérbios é uma obra premente e urgente; e os que decidirem encará-la devem atentar para os seguintes pontos de interesse, manifestados na literatura sapiencial, como um todo.

2.1 Provérbios e a corte

O primeiro elemento cultural que está latente na tradição sapiencial de Provérbios é a sua conexão com o contexto real e palaciano. A idéia de um contexto associado à corte nasce das referências aos reis descritos como responsáveis por determinadas seções no livro:

“Provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel” (1.1), “Palavras do rei Lemuel” (31.1) e “os provérbios de Salomão, os quais transcreveram os homens de Ezequias, rei de Judá” (25.1).

Nestes três exemplos a atividade de codificar a sabedoria em forma proverbial está relacionada ao contexto real, seja por atuação direta do rei em questão (como é o caso de Salomão) ou por responsabilidade delegada (no caso dos homens de Ezequias). Há nada menos que 20 provérbios em que a palavra “rei” é parte fundamental da sabedoria proposta. Nestes provérbios o sábio discursa sobre o caráter do rei, a natureza de suas decisões como rei e a maneira como devemos nos portar diante dele.

Por causa desta associação poder-se-ia imaginar que o conteúdo do livro de Provérbios fosse destinado primariamente para instruir, delinear e acompanhar decisões administrativas que demandavam uma sabedoria adicional. Sem dúvida, alguns destes provérbios em que o elemento real está presente oferecem advertências para inúmeros equívocos que poderiam ser evitados pelos reis de Israel e de Judá.

Nem todos os estudiosos concordam com a necessidade de tornar o escopo da literatura sapiencial de Provérbios tão específico a ponto de incluir somente o contexto palaciano, mas o elemento cultural não precisa se tornar um princípio regulador do contexto do livro. Neste sentido, a ressalva de Fox nos lembra que “os dizeres em questão não falam somente acerca dos reis, mas aos reis e por causa deles”. Assim sendo, muito daquilo que foi formulado e aplicado a um contexto palaciano pode também encontrar sua aplicabilidade em várias outras situações.  Gerard von Rad, por exemplo, entende que uma nova classe de escribas em Israel produziu uma obra no período que ele chama de Iluminismo Salomônico, devido ao contato que Salomão teve com o Egito.

Mesmo se este for o caso, a palavra de Fox permanece. A sabedoria proverbial não discursa a respeito da “classe” responsável por sua composição, mas confronta e admoesta tal classe de maneira que os princípios básicos possam ser igualmente válidos para outros contextos.

Enfim, a questão da presença do elemento real no contexto cultural de Provérbios não pode simplesmente ser ignorada, e isto por uma razão muito óbvia: Provérbios não foi formulado nem pela tradição profética de Israel nem pela sacerdotal, mas por um rei. Assim sendo, não devemos nos surpreender ou menosprezar a presença de elementos culturais palacianos na estrutura sapiencial de Provérbios. Pelo contrário, este elemento deveria servir como um sinalizador para entendermos a utilização original que era feita deste material dentro da sociedade israelita.

2.2 Provérbios e o povo

O segundo elemento que compõe o mundo cultural de Provérbios é a sua dependência temática de figuras populares. A presença deste segundo elemento parece balancear e compor a aplicabilidade da literatura sapiencial. Murphy atribui um grande número de dizeres proverbiais aos relacionamentos sociais ordinários.

Uma quantidade enorme de instruções proverbiais lida diretamente com necessidades agrárias, rurais e também num contexto doméstico, em vez de administrativo. Mais uma vez, é oportuno lembrar que a presença deste elemento popular na estrutura proverbial não é acidental, mas indispensável para a comparação feita no provérbio. Uma quantidade considerável destas comparações pressupõe que o leitor tivesse uma familiaridade prévia com os usos e costumes da vida rural no AOP, a fim de que a comparação pudesse alcançar o propósito desejado.

É verdade que muitos são tentados a escolher entre o elemento popular e o real em lugar de compor e ampliar ambos. Contudo, a dependência temática que Provérbios tem de aspectos básicos e populares da vida humana torna a literatura sapiencial ainda mais aplicável e relevante para o cidadão comum, e não apenas para aqueles que vivem no contexto palaciano.

2.3 Provérbios e o lar

O terceiro elemento que compõe o mundo cultural de Provérbios tem a ver com sua relação estreita com a dinâmica domiciliar. Uma indicação clara disto pode ser observada na maneira em que as admoestações no livro são feitas; elas são dos pais para seus filhos e não de patrão para subordinado, ou de um rei para seus vassalos. Whybray e Fox são cautelosos no uso deste elemento domiciliar, cuidando sempre para que o lar não seja reduzido a uma escola, ainda que Murphy defenda que “a casa talvez possa ser considerada o contexto original dos ensinamentos sapienciais, antes e depois que tais ensinamentos se tornaram profissionalizados”.

Waltke afirma que as muitas referências ao pai, e especialmente à mãe, se dirigindo aos seus filhos (1.8; 10.1, etc.), sugerem que Salomão pretendia transmitir sua sabedoria a Israel através do lar, da mesma maneira como Moisés disseminou a Lei através dos pais, em Israel (cf. Dt 6.7- 9).

Fox identifica uma forte analogia entre a tradição sapiencial de Israel e os chamados testamentos éticos das comunidades judaicas do período medieval:

Testamentos éticos são instruções escritas por homens em sua maturidade para a orientação ético-religiosa de seus filhos e, às vezes, filhas. (Estes textos são, na verdade, descendentes da antiga tradição sapiencial, uma vez que eles utilizam provérbios como modelo.) …O pai fala ao filho e através dele a um público leitor bem mais amplo.

Provavelmente seja este o contexto que mais explique os elementos domiciliares de Provérbios.

2.4 O elemento intercultural de Provérbios

O quarto elemento que compõe o mundo cultural de Provérbios é o seu caráter internacional. Isto significa dizer que a literatura sapiencial, em geral, não parece ter sido escrita para leitura e uso específico, dentro da sociedade israelita, haja vista a ausência de qualquer referência direta à Lei, à aliança no Sinai, aos patriarcas, aos profetas, aos livros históricos ou até mesmo ao livro de Salmos. O que justificaria esta posição aparentemente neutra apresentada em Provérbios?

O estudo da literatura sapiencial no mundo antigo tem mostrado que coleções de provérbios existiram no Egito desde o Império Antigo (2686-2160 a.C.) até o último período dinástico e o domínio helenista (500-300 a.C.); 16 em Ebla (2400 a.C.); 17 na Suméria (1700 a.C.); 18 na Mesopotâmia, desde o período Cassita (1500-1200 a.C.) e nos períodos Médio Assírio 19 e Aramaico (704-699 a. C.). 20 Além disso, temos ainda alguns provérbios ou dizeres que foram encontrados em Mari e nas Cartas de Amarna (1350 a.C.). 21 Todas estas descobertas acabam colocando Provérbios não à margem da cultura literária daquela época, mas em pleno diálogo com ela.

Sem dúvida, uma das similaridades mais intrigantes acontece entre Provérbios e as coleções egípcias, especialmente a de Amenemope, que os estudiosos concordam em datar no final da 21ª dinastia (1070-945 a.C., mais ou menos contemporânea de Salomão), mesmo que a natureza desta similaridade ainda seja bastante debatida.

Todas estas descobertas servem para nos alertar sobre a importância de ler a literatura sapiencial encontrada em Provérbios à luz do contexto literário, cultural e, acima de tudo, teológico, em que o livro estava inserido. A literatura sapiencial é a interface pela qual o Deus de Israel se fazia conhecido entre as nações. Foi esta a janela cultural que permitiu, por exemplo, à rainha de Sabá ouvir a respeito do Deus de Israel em sua própria terra, culminando com sua peregrinação a Jerusalém, onde teve a oportunidade de dizer ao próprio Salomão o que segue:

Foi verdade a palavra que a teu respeito ouvi na minha terra e a respeito da tua sabedoria. Eu, contudo, não cria naquelas palavras, até que vim e vi com os meus próprios olhos. Eis que não me contaram a metade: sobrepujas em sabedoria e prosperidade a fama que ouvi. Felizes os teus homens, felizes estes teus servos, que estão sempre diante de ti e que ouvem a tua sabedoria! Bendito seja o SENHOR, teu Deus, que se agradou de ti para te colocar no trono de Israel; é porque o SENHOR ama a Israel para sempre, que te constituiu rei, para executares juízo e justiça (1 Rs 10.6-9).

O próprio livro de Provérbios contém contribuições de prosélitos que possivelmente foram alcançados e transformados pelo Deus de Israel através da literatura sapiencial, tais como o rei Lemuel (Pv 31.1), de Massá, e Agur, também do mesmo local, identificado como Massá (Pv 30.1). Deve-se observar, então, que a literatura sapiencial encontrada nas Escrituras é um cardápio destinado à humanidade em geral, contendo uma amostragem da sabedoria e da supremacia do Deus de Israel. Não foi este um dos propósitos originais da lei dada a Israel?

Guardai-os, pois, e cumpri-os, porque isto será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente, este grande povo é gente sábia e inteligente. Pois que grande nação há que tenha deuses tão chegados a si como o SENHOR, nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho? (Dt 4.6-8).

Segue-se, então, que a proposta evangelística do Antigo Testamento não é a de “exportar sabedoria” aos povos, mas sim a de “ser sábio” aos olhos deles. O elemento internacional de Provérbios torna manifesta exatamente esta prática de testemunho da fé que Israel possuía. Neste sentido, pode-se entender a peregrinação da rainha de Sabá como um cumprimento histórico deste propósito estabelecido em Deuteronômio.

2.5 Provérbios e a individualidade humana

O último e, talvez, mais importante elemento que compõe o mundo cultural de Provérbios é a maneira como a sabedoria proposta no livro é personificada. Provérbios 2 e 8 são testemunhos desta estratégia literária do Deus de Israel. A sabedoria é apresentada ao leitor como alguém e não como algo.

Não clama, porventura, a Sabedoria, e o Entendimento não faz ouvir a sua voz? No cimo das alturas, junto ao caminho, nas encruzilhadas das veredas ela se coloca; junto às portas, à entrada da cidade, à entrada das portas está gritando: A vós outros, ó homens, clamo; e a minha voz se dirige aos filhos dos homens. Entendei, ó simples, a prudência; e vós, néscios, entendei a sabedoria. Ouvi, pois falarei coisas excelentes; os meus lábios proferirão coisas retas (Pv 8.1-6).

Ainda no mesmo contexto, esta sabedoria personificada comenta aspectos da sua identidade que a colocam fora do eixo da existência humana iniciado no ato da criação.

Desde a eternidade fui estabelecida, desde o princípio, antes do começo da terra. Antes de haver abismos, eu nasci, e antes ainda de haver fontes carregadas de águas. Antes que os montes fossem firmados, antes de haver outeiros, eu nasci. Ainda ele não tinha feito a terra, nem as amplidões, nem sequer o princípio do pó do mundo. Quando ele preparava os céus, aí estava eu; quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; quando firmava as nuvens de cima; quando estabelecia as fontes do abismo; quando compunha os fundamentos da terra; então, eu estava com ele e era seu arquiteto, dia após dia, eu era as suas delícias, folgando perante ele em todo o tempo (Pv 8.23-30).

Considerando que o Novo Testamento se refere a Cristo como sendo a sabedoria de Deus (1Co 1.20, 30) e como a sabedoria pré-ordenada desde a eternidade e manifestada pelo Espírito (1Co 2.6-10), fica evidente que a característica internacional de Provérbios não tinha o propósito de diluir a mensagem das Escrituras para deixá-la mais palatável ao apetite das nações. Mesmo que os demais elementos da religião de Israel tivessem sido filtrados na abordagem internacional, a presença pessoal da sabedoria de Deus continua falando em todo o livro, e aqueles que a encontram, afirma Pv 8.35, encontram a vida.

Portanto, longe de ser definida como uma descaracterização de toda a revelação contida no Antigo Testamento, a literatura sapiencial do tipo encontrado em Provérbios é, na verdade, a personificação daquilo que é mais importante.

3. UMA PROPOSTA DE LEITURA DE PROVÉRBIOS 22.6

A história da igreja cristã e, por conseguinte, a história da igreja evangélica brasileira, é marcada pelo uso de Pv 22.6 como o moto da educação cristã, e isto se deve a diversos fatores. Primeiro, pelas palavras contidas no texto: “ensina”, “criança”, “andar” e principalmente “não se desviará”. Estes termos aglutinam bem o interesse de educadores cristãos em promover uma educação que seja cristã e, sobretudo, eficaz no desenvolvimento da criança. Segundo, Pv 22.6 é usado com freqüência no contexto de escolas confessionais, por causa da aparente garantia e esperança comunicadas pela expressão “não se desviará”. As escolas e materiais didáticos que se utilizam deste provérbio-moto parecem entender a mensagem deste texto como uma justificativa para o trabalho árduo de educação dos nossos filhos. Nas escolas evangélicas, especialmente, a expressão “não se desviará dele” está comumente relacionada a “não se desviar do evangelho”, já que a educação proporcionada por estas escolas pressupõe corretamente a importância da cosmovisão cristã na formação do aluno.

Considerando este breve histórico de como o texto tem sido geralmente interpretado, propomos abaixo uma leitura de Provérbios 22.6 e, em seguida, as justificativas para tal leitura.

[Leitura proposta]

Consagra o jovem no princípio de seu caminho para que, nem quando velho, ele seja persuadido a desistir dele.

[Almeida Revista e Atualizada, 2ª edição]

Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele.

Daniel Santos Jr. O autor tem doutorado em Estudos Teológicos do Antigo Testamento (Ph.D.) pela Trinity Evangelical Divinity School (EUA). É professor de Antigo Testamento no Centro Presbiteriano de PósGraduação Andrew Jumper e na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.

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